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A deficiência vista por uma mãe




Trazemos-lhe mais um ponto de vista na nossa série de entrevistas sobre a deficiência. Desta vez o de uma mãe com três filhos incríveis que aprendeu a adaptar a sua vida familiar às necessidades de cada um.


Célia Santos tem três filhos, o Pedro com 14 anos, a Maria com 9 e o Francisco com 6 anos. O Francisco tem Trissomia 21.

É licenciada em Psicologia e trabalha em Recursos Humanos há 23 anos.

Dedica-se a tudo o que consegue encaixar nos dias sempre longos e desafiantes. O programa de desenvolvimento que o Francisco faz desde os 5 meses, 100% preparado pela família, exige alguma dedicação.



O que é para si a deficiência?

Uma palavra com conotação negativa, que ninguém quer usar e que raramente associa aos

seus.

Podemos considerar a deficiência próximo da diferença. Diferença face à “normalidade”,

conceito também ambíguo, mas podemos entender a normalidade como aquilo que é

esperado. Há um padrão esperado relativamente ao desenvolvimento, ao ser humano. E,

portanto, na prática, a deficiência toca tudo o que se afasta desse padrão da normalidade, quer se trate de uma deficiência visual, uma deficiência auditiva, uma deficiência física, etc…



Que mais valias tem uma mãe ou um pai por ter um ter um filho com deficiência?

Essa é uma pergunta muito interessante e é um tema que muitas vezes é discutido em

vários fóruns de pais que têm filhos com diferentes tipos de problemas.

É muito comum encontrar relatos sobre os benefícios e o que de positivo traz à vida da família. Acima de tudo, eu acho que aquilo que nos traz é uma maior flexibilidade para viver a vida de uma perspetiva diferente. Depois, essa flexibilidade é também acompanhada pela

desconstrução do planeamento que fazemos da própria vida. Ou seja, eu acho que, em geral, nós temos muitas vezes a ilusão de que conseguimos planear a nossa vida.

Conseguimos previamente preparar e planear aquilo que queremos fazer, quando e de que forma. Ter um filho com algum tipo de dificuldade, com algum tipo de deficiência, mostra-nos que se há uma coisa que nós não conseguimos fazer é um planeamento. Dessa forma, perdemos um bocadinho a ilusão do controle da própria vida.

Isso é uma grande vantagem, porque em certa medida permite-nos viver o dia-a-dia de uma forma mais livre e de uma forma mais descomprometida – no bom sentido – ou seja, com uma capacidade para olhar para tudo aquilo que acontece de uma forma mais positiva. Temos a capacidade para dar valor a vitórias que, noutras circunstâncias, nem sequer se dá por isso. Quem tem um filho sem nenhum tipo de problema olha para as diferentes etapas do desenvolvimento com a maior normalidade e nem dá conta delas. Começa a andar, sim! É normal começar a andar. Diz as primeiras palavras, sim! É normal dizer as primeiras palavras. Quem tem o filho com algum tipo de dificuldade, verdadeiramente comemora e celebra cada vitória e isso, de uma forma mais alargada, traz às famílias uma forma de viver e de ver o mundo completamente diferente!

Isto tem também uma aplicação em todas as esferas da própria vida da pessoa. Não é só uma questão na relação com o filho, mas nas relações familiares, nas relações de amizade, no trabalho e este é um aspeto verdadeiramente transformador.



E por falar em família, qual é o papel dos irmãos numa família em que há uma criança

com deficiência?

Podemos considerar imensos papéis, em imensos aspetos. Eu destacaria o papel da

normalidade que é referência para o irmão que pode ter mais alguma dificuldade. especialmente se estivermos a falar de irmãos sem deficiência.

As crianças têm uma enorme capacidade de olhar para a diferença de um modo extremamente “normal”. Ou seja, reconhecem a diferença, mas não a encaram num sentido negativo e pejorativo, portanto eles trazem a normalidade.

Do que que eu conheço, irmãos de crianças com deficiência, são habitualmente exigentes com os seus irmãos com deficiência, são superprotetores e muito meiguinhos, mas ao mesmo tempo, exigentes. Eles lidam com o irmão ou com a irmã de uma forma muito natural. E isso é trazer a normalidade da inclusão e de diferenças que têm mais impacto do que outras.

Além disso, os irmãos têm um papel muito importante na estimulação. Actuam de forma

natural, de forma às vezes mais eficaz que os técnicos porque o fazem com amor e com

normalidade… é um papel muito importante!



Relativamente aos medos e preocupações que se geram ao saber que vão ter um filho

com algum grau de deficiência, o que é que não correspondeu àquilo que

eram os medos, pela positiva?

Na primeira consulta de pediatria de acompanhamento, depois do Francisco nascer, no

hospital, uma pediatra disse-nos qualquer coisa como: "é muito difícil ter uma criança assim

porque, na prática, se houvesse um catálogo com crianças, se pudéssemos escolher um filho

por catálogo, nunca nenhum dos pais iria escolher um filho assim". Esta questão do filho por

catálogo traz aqui uma carga de enorme expectativa negativa sobre os filhos que, naturalmente não escolheríamos por catálogo porque têm deficiência.

Isto é, para mim, do mais insensível que se pode dizer aos pais de uma criança com deficiência. No nosso caso concreto, essa nunca foi uma questão que considerássemos porque, tal como não temos expectativas relativamente aos nossos outros filhos ou, inclusivamente, a outros aspetos da vida, também não faz sentido colocar essas expectativas num filho com ou sem deficiência.

Por outro lado, aí sim, temos a expectativa relativamente a nós próprios, enquanto pais, de

conseguir contribuir para o crescimento dos nossos filhos. Desejamos contribuir para o seu

crescimento de uma forma equilibrada, o mais saudável possível e estar sempre presentes

para apoiar o seu desenvolvimento. Isto não é diferente relativamente aos nossos três filhos

que são completamente diferentes uns dos outros, portanto não é diferente para o Francisco que tem Trissomia 21 ou para o Pedro e a Maria que não têm. Cada um deles tem dificuldades diferentes. Aqui, o stress e alguns medos que podem vir são um pouco distintos: o Francisco começou a andar aos dois anos e meio. Eu não tinha medo de que ele não andasse, mas há uma certa ansiedade com estas etapas porque são sempre etapas difíceis. Certas ansiedades geram-se porque sabemos que estas etapas são difíceis e que às vezes é preciso passar uma, para permitir que então se inicie outra. A ansiedade é mais nesse sentido.

Por último, por exemplo, aquilo que a mim me causou talvez um bocadinho de ansiedade foi o fato de nós termos tomado a decisão – e foi uma decisão nossa – de ter um papel muito ativo no desenvolvimento do Francisco. Nós quisemos ser os donos do seu desenvolvimento em vez de o confiarmos ao cuidado de um outro especialista. Essa foi uma decisão muito pensada e com consequências do ponto de vista de trabalho e de estudo para nós: perceber o que é que conseguimos fazer ao longo do tempo.

A ansiedade transforma-se positivamente porque é também aquilo que nos dá a força e a capacidade para continuar a estudar, para continuar a ter um papel de primazia no desenvolvimento do nosso filho.


Mas finalmente, tudo se consegue...

Sim, eu acho que as fragilidades físicas e as maiores fragilidades são aquelas que também

trazem obviamente mais receio. Agora no âmbito da pandemia de COVID19, naturalmente,

encontramos os pais de crianças com deficiências muito preocupados porque há muitas

deficiências com comorbilidades respiratórias associadas e sabemos o impacto que a infeção tem nas crianças com comorbilidades. Obviamente que isso traz preocupações acrescidas.

Ao longo do tempo aprendemos a gerir estas situações com muita vigilância mas também com alguma descontração, mantendo uma atenção redobrada em alguns aspetos.


Numa palavra, o que é ser mãe de uma criança com deficiência?

É ser mãe.


Medo ou respeito?

Respeito.


Insistência ou persistência?

Persistência.


Desvantagem ou oportunidade?

Oportunidade.


Ajuda ou suporte?

Suporte.


Apoio ou solidariedade?

Apoio.


Frustração ou superação?

Superação.


Coletivo ou individual?

Coletivo.


Irmãos ou amigos?

Irmãos.


Tratamento ou superação?

Superação.




20 de junho 2020

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